segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Poemas...

Carlos Drummond de Andrade


Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


As sem razões do amor



Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.


Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no elipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.


Eu te amo porque te amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.


Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim


Quadrilha


João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


Que pode uma criatura senão,
entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar.



Destruição



Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.


Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.


Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.


E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Dinamismo e criatividade: gestaleiras de Juá!
















Clériston e Carliane (SEDUC) prestigiam oficina do GESTAR II , dialogam com os professores e reafirmam a importância do programa para o município e para a formação dos professores.

domingo, 11 de outubro de 2009

Narradores de Javé: Uma breve síntese e análise sob a luz do Letramento

NARRADORES DE JAVÉ, produzido no Brasil, por Bananeiras Filmes, em 2003; escrito e dirigido pela brasileira Eliane Caffé. Os críticos de cinema o descrevem como uma comédia dramática, baseada em fatos jornalísticos. Tendo como principais atores: José Dumont, atuando como Antônio Biá, o escrevedor das memoriais orais do povo. Nelson Xavier, como Zaqueu, um dos lideres da comunidade narrador da história de Javé anos após o “acontecido”. O filme conta com muitos outros personagens, destaco estes, pois a análise que farei estará centrada, basicamente nestes dois personagens: Antonio Biá e Zaqueu.

O filme inicia com Zaqueu, narrando a história da cidade de Javé , anos depois desta ser inundada pela represa. A história que Zaqueu conta aconteceu no sertão da Bahia, estando a comunidade de Javé ameaçada por uma inundação da hidrelétrica, construída na região. Para tentar impedir está tragédia, os moradores do povoado resolveram escrever sua história e tentar transformá-la em patrimônio histórico, a ser preservado. Essa história tinha que ser escrita através de um documento científico: um dossiê. Mas quem poderia escrevê-la? O único adulto da comunidade, alfabetizado e bom nas “escrituras” era Antônio Biá (José Dumont). Foi ele o escolhido para escrever este documento “científico”, embora a comunidade de Javé, não confiasse nele. O povo o chamava de “sacanajeiro, enganadô”. Porque as pessoas de Javé o chamavam assim? Zaqueu conta, que no passado ele, o Biá usou do poder da escrita para enganar as pessoas. Ele era funcionário do único Posto de correios da cidade. Por ser uma comunidade não-alfabetizada, o correio passou a ser um local, quase sem função social, as pessoas não utilizavam a tecnologia da escrita no seu cotidiano. Antônio Biá, percebe a ameaça de ficar sem seu emprego, pois o correio estava para ser fechado, pela ausência de uso da escrita. Então, ele cria a estratégia para não perdê-lo. Passa a escrever cartas para outras localidades, em nome das pessoas do Vale de Javé.. Fofocas eram o conteúdo das cartas, como bem relata Zaqueu:“Ele aumentava os fatos acontecido, com malícia e difamando. Mas tudo era feito com graça e sapiência do ofício de escrever”. Ao ser descoberta sua farsa, foi expulso do centro deste vilarejo. Mas a mesma comunidade que o expulsou, a tempos atrás, naquele momento, precisava de “seus serviços”. Zaqueu ,afirma que ele teria que escrever o documento cientifico de Javé, pois ele é tido com um bom escritor: “Se Antônio Biá escreve mentira, escreve muito bem!!! E para fazê um dossiê, tem que fazê uma juntada de escrita das coisas que aconteceram por aqui...Ouvindo a nossa gente contando pela boca, a história verdadeira, a científica.”. Depois dessas declarações, Antônio Biá foi obrigado a aceitar o cargo de escrevedor. O povo passa, a contar, narrar as memórias orais, na esperança de salvá-los da moderna tecnologia, a hidrelétrica, que fará o povoado desaparecer nas águas


TRATAMENTO PEDAGÓGICO DO FILME: NARRADORES DE JAVÉ.


O filme, Narradores de Javé serve de interlocução entre a cinematografia e a educação. Colocamos a escrita deste material sobre a mira dos contextos educacionais, analisando alguns conceitos sobre a temática letramento através do contexto do filme. Não nos ocuparemos em discutir as questões de ênfase cinematográficas sobre o mesmo, nosso interesse em NARRADORES DE JAVÉ é tratá-lo como elemento pedagógico para fazer uma abordagem no sentido de obter algumas contribuições da mídia/cinematográfica e tratá-los pedagogicamente. Este ensaio passa a ser uma das possibilidades de (re)conhecer os discursos existentes sobre o conceito de letramento no filme, trazendo paralelo aos mesmos alguns teóricos e os conceitos de letramento apresentados por eles, no intuito de solidificar através da abordagem no filme a definição de letramento e alfabetização.
O que segue, portanto, são comentários e exemplos através de recortes de algumas cenas que evidenciam ambientes letrados e alfabetizados através deste filme brasileiro, mesmo tendo a informação de que a Diretora, não tinha essa intencionalidade ao produzi-lo. A análise e as questões que serão tratadas nesta abordagem, centram nas seguintes etapas: apresentação do filme, considerações sobre a cultura oral, a cultura escrita e os letramentos Javélicos.
Importante ressaltar a riqueza e possibilidades de abordagens que o filme sucinta comunidade, ética, raça, religião, gênero, degradação ambiental, cultura, econômica, política, história, identidade, história oral, literatura regional, preconceito lingüístico, arte e cinema) nosso foco restringe-se no estudo sobre a temática alfabetização e letramento.

Cena 1

As paredes da casa de Antônio Biá era todas escritas, com ditos populares, parlendas, piadas, frases como esta: “aqui mora um intelectual alcoólatra”. Durante todo filme é na casa dele que aparece uma estante de livros.
Na porta da frente de sua casa tinha escrito uma frase: “Proibido entrada de analfabeto”.

Cena 2

Biá era o único adulto da cidade que usava cotidianamente uma bolsa atravessada no corpo, contendo na mesma um livro com folhas em branco, lápis, apontador.


Cena 3

Antônio Biá era o funcionário do posto de correio da cidade. E para manter seu emprego, enviava cartas em nome de outras pessoas. Provocando um “rebuliço” de fofocas na cidade. Ao ser descoberto, perdeu seu emprego no correio, sendo essa instituição fechada.


Cena 4

O sacanajeiro, Biá narra com cuidado e destreza os artefatos culturais da escrita: o lápis, a caneta, o apontador.”Eu não uso caneta. Eu não me acostumo. (nesse momento ele aponta o lápis para um analfabeto) Não sei se o senhor já viu; uma caneta corre no papel, assim, sem freio. Então, se a gente erra e quer arrumar, aí aporcalha tudo. Aí, fica aquela dessentira de tinta. O lápis é maravilhoso! Ele agarra o papel, ele aceita a borracha, ele obedece a mão e ao pensamento da gente. Aliás eu sou um homem que só consegue pensar a lápis”.

Cena 5

Demarcando as regras da escrita, Biá diz: “Escritura é assim, o homem curvo vira corcunda, a gente do olho torto, eu digo que é caolho. Por exemplo, se o sujeito é manco na vida então na história eu digo que ele não tem perna. É assim, das regras da escrita.”


Cena 6

A barbearia da cidade é embaixo de uma grande árvore, no centro da cidade. A placa com as indicações de preços e serviços é fixada no tronco... “Corte de cabelo R$ 3,00”. A escrita é feita com giz branco, desenhada com letra bastão.


Com a descrição das cenas acima pretendemos mapear alguns discursos que são específicos de um tipo de letramento e como estes constituem e produzem espaços de habitar e de ser, nos moradores daquele povoado cenário do filme. As representações de letramento em torno do personagem Antônio Biá são bem diferenciadas dos da maioria dos personagens de Javé, considerando que o letramento permite a participação de diferentes usos da escrita e da leitura no cotidiano. Tratamos aqui de Letramento como um conjunto de práticas social e culturalmente determinadas pelo uso da escrita, o que caracteriza o letramento é a função que a escrita exerce no cotidiano (KLEIMAN,1995).

O letramento são práticas de instâncias sociais que são produzidas de diferentes maneiras em determinados tempos históricos. Os fenômenos de letramentos vão para além do mundo escrito, eles são vividos nas relações das pessoas com as instituições sociais (e das instituições com as pessoas). Temos no filme, muitas das agências de letramento que produzem os muitos eventos letrados. Esses maquinamentos entre as agencias de letramentos e as relações com as pessoas, tem intensidades diferenciadas. Como é o caso de Antônio Biá e outros personagens da comunidade.

Se apontar novamente para as cenas anteriores, podemos descrever algumas das agências que produzem discursos diferenciados de letramento, tais como: a escolas, a igreja, as famílias, o posto de correio, o bar, a barbearia, a casa de Antônio Biá (no filme vejo a casa de Biá como uma agencia de letramento) a praça, o Governo Federal. E as suas agencias produzem indícios, eventos de letramentos tais como: a placa do barbeiro, as cartas enviadas por Biá, o desejo da existência de dossiê cientifico, “a dessentiria de tinta da caneta”, os rótulos das cachaças, os alfabetizados, os não-alfabetizados, estante com livros da casa de Biá., o outdoor da hidrelétrica, as câmaras filmadoras dos engenheiros, as rezas, as músicas, o sino da igreja, o brinquedo das crianças, o lápis, o apontador, a bolsa com o livro-dossiê(livro de Biá).

Mesmos os Javélicos não sendo alfabetizados, estão inseridos nestes eventos discursivos, e nestes circulam potências de letramentos (como os descritos anteriormente). A alfabetização não nos dá garantia dos usos e práticas sociais da leitura e da escrita; ela é parte de um tipo de letramento, ela é uma das agencias que produz evento muito específico, o letramento escolar. Segundo TFOUNI, 1995, há graus de letramentos, esses graus são variações das marcas, dos tipos, usos e das funções da escrita no cotidiano. A tese apresentada considera que os Javélicos são letrados, embora muitos deles não tenham sido alfabetizados. A alfabetização produz processos de letramentos, quase sempre na instância escolar. É um engano conceitual atrelar a alfabetização ao letramento. Ela não pode ser considerada a desencadeadora do letramento, de uma maneira universal, considerando que inúmeras agencias fazem circular muitos tipos e diferentes graus de letramentos. A autora não encontra nos seus estudos contemporâneos nenhuma sociedade que possui grau ZERO de letramento, do ponto de vista sócio-histórico cultural, não existe produção social que viva um grau zero de letramento, portanto, iletramento, é uma palavra descartada do contexto teórico desta autora.



JAVÉLICOS: Alfabetizados ou Letrados?


A idéia de letramento associada aos Javélicos, é tratada a partir da autora TFOUNI (1995) que possibilita-nos através dos conceitos de letramento e alfabetização defendidos pela mesma, afirmar que apesar de não alfabetizados eles são letrados. A referida autora apresenta o conceito de letramento como práticas discursivas dos usos e funções sociais da leitura e da escrita, sendo desenvolvidas no cotidiano das relações sociais, teoricamente essas práticas discursivas são visíveis as relações estabelecidas entre as personagens do filme.
Tais peculiaridades discursivas inquietam as sociedades modernas, pois essas produzem uma idéia de supremacia sobre a cultura oral, espalhando certo desprestígio sobre outras culturas, que não sejam as gráficas. Eles produzem conexões entre as culturas, extrapolando a instância oral e escrita; movimentando outros territórios desencadeando espaços nômades. Espaços ainda não demarcados, não territorizados pelo capitalismo.
Narradores de Javé possibilita uma reflexão a cerca do empodeiramento que é atribuído àqueles que têm o conhecimento da leitura e da escrita, e evidencia a vulnerabilidade dos que não os tem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


Filme Narradores de Javé, Ano de Lançamento (Brasil): 2003, Estúdio: Bananeira Filmes / Gullane Filmes / Laterit Productions, Distribuição: Riofilme, Direção: Eliane Caffé, Roteiro: Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé, Produção: Vânia Catani, Música: DJ Dolores e Orquestra Santa Massa, Fotografia: Hugo Kovensky, Direção de Arte: Carla Caffé, Edição: Daniel Rezende.

Vale a pena assistir!
Para nós ribeirinhos que vivenciamos de perto história semelhante, o filme reporta-nos para a história daqueles que foram protagonistas de cenas reais, na cidade de Sento Sé, Remanso, Casa Nova... UMA VERDADEIRA RESTROPECTIVA!